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22/03/20
As oportunidades do coronavirus
Toda crise gera, também, oportunidades. A crise do coronavirus e a quarentena são a oportunidade perfeita para resolver dois problemas, um desejado por quem participa, outro que só vai na marra. O primeiro é o Brasil ter eleições de dois em dois anos, com um custo altíssimo.
No Congresso já se discute prorrogar o mandato dos atuais prefeitos e vereadores, passando a eleição para 2022, junto com a de governadores, deputados, senadores e presidentes. As eleições seriam, finalmente, unificadas e racionalizadas, gerando uma economia de mais de R$ 5 bilhões a cada dois anos.
Além disso, toda a verba que os partidos receberiam para as eleições deste ano, R$ 3,5 bilhões, seria usada no combate ao coronavirus e suas consequências na economia. Bom, pelo menos parte dessa verba, porque os partidos vão querer comer uma boa parte. Não existe almoço grátis com o Congresso. Para nós, pelo menos.
Existe um consenso de que é inviável fazer uma eleição sem comício, visita a bairros, eventos e encontros; com as cidades paralisadas e em quarentena. Também existe a falta de previsão para a volta à normalidade, que pode se dar em setembro. Ou não.
Como efeito colateral, a unificação das eleições beneficia ACM Neto, que não ficaria dois anos sem mandato antes de disputar o Governo do Estado, o mesmo valendo para outros prefeitos que já estão na segunda gestão. O único efeito colateral negativo é ter que conviver mais dois anos com prefeitos ruins.
A outra oportunidade está no futebol brasileiro. Ele é o único, entre os países importantes no esporte, que não segue o calendário europeu, com campeonatos nacionais indo de agosto a junho. Até a vizinha Argentina adota este calendário, o que deixa o Brasil numa situação vulnerável.
Vou dar um exemplo. A nossa janela de transferência de jogadores em julho coincide com a principal do resto do mundo, que dura um mês a mais, até o final de agosto. Depois que nossa janela fecha, o clube não pode mais comprar ninguém, mas pode vender.
Digamos que um clube da Europa pagasse a multa rescisória e levasse Gabriel Barbosa e Everton Ribeiro em agosto. O Flamengo não poderia comprar ninguém para substituir os dois. O mesmo vale para o técnico Jorge Jesus, que poderia ser levado embora no meio do campeonato sem outro bom técnico disponível no mercado.
A quarentena do coronavirus, que vai durar muito mais que 40 dias, é a oportunidade para que o Brasil adote o calendário mundial e comece o Brasileirão em agosto. A CBF nunca se interessou e os cartolas nunca se impuseram, por medo do poder da entidade. Mas agora é diferente.
Ou se cancela o Brasileirão deste ano, o que obriga os clubes a devolver dinheiro aos patrocinadores e à Rede Globo (pela compra dos direitos), ou se inventa um formato que dure só cinco meses. Existe a proposta, de algum jegue, de fazer o Brasileirão 2020 com jogos eliminatórios, só de ida.
É ideia de jegue porque logo na primeira rodada metade dos clubes iriam para casa e ficariam o resto do ano sem jogar. Na segunda sobrariam só 8, na terceira, 4. Todos os torcedores dos times que saíram cancelariam o Pay Per View, hoje uma importante renda para os clubes.
Patrocinadores dos clubes não aceitariam ter suas marcas divulgadas só em 10 ou 12 jogos ao invés de 38. Os da Globo não aceitariam pagar pela transmissão de 38 rodadas e receber só um terço. A Globo com certeza não pagaria aos clubes a mesma coisa. A renda dos jogos seria uma fração do normal.
Com estas receitas reduzidas ou eliminadas, todos os clubes quebram e, com Bolsonaro na Presidência, não adianta pedir para o governo socorrer as empresas - privadas e milionárias - do futebol. Vai ser na marra, mas talvez o coronavirus consiga consertar pelo menos esta parte do nosso futebol.
Para a sociedade o coronavirus é uma crise. Para o futebol brasileiro, oportunidade.